Falarei de algumas figuras que meus pais agregaram a nossa família de cinco (pai, mãe, eu e dois irmãos), foram amigos, colegas de trabalho, mas que de uma forma ou de outra marcaram as minhas lembranças de infância. Falarei de cinco pessoas/situações em especial, pois eram tantos os amigos que eu não conseguiria falar um pouquinho de cada um. De repente eu possa esquecer-me de algum detalhe, ou fantasiar sobre outro, totalmente perdoável se pensarmos que as lembranças de infância são sempre meio distorcidas, ou ganham outras dimensões. Posto isto, comecemos:
O Padre boêmio
Sempre achei muito estranho o comportamento de um padre que era amigo da minha mãe quando eu tinha lá pelos meus 10 anos de idade, ele ia lá pra casa, com os demais amigos professores que meus pais sempre tiveram, levava um vinho à tira colo e tocava lindas canções da música popular brasileira no violão. Minha cabeça se perguntava se ele era padre e também professor, ex-padre e professor, só padre que andava no meio dos professores boêmios. Bom, só sei que eu o achava uma figura fantástica, estava sempre com uma camisa listrada e falava manso, não fosse padre seria galanteador, ou uma coisa não necessariamente exclui a outra.
O que eu achava muito interessante
No alto dos meus 11 anos de idade meu pai nos levou consigo para fazer doutorado em BH, lembro de gostar muito de tudo por lá. Meus pais eram jovens e sempre foram muito agregadores de pessoas, e mesmo que estivéssemos longe da família inteira, nossa casa nunca estava vazia aos finais de semana, sempre havia um amigo ou outro tomando uma cerveja, ouvindo uma música, estudando, sei lá, qualquer coisa legal desse gênero. Arrumaram um amigo um pouco mais novo, cujo nome não vale revelar, só lembro que ele tinha uma noiva linda e estavam sempre nas reuniões de música e cerveja do meu pai. E u o achava muitíssimo interessante, e foi ele que me mostrou pela primeira vez o cd do Los Hermanos de 1997, MARCOU MINHA VIDA FOREVER. No dia eu fiz questão de dizer que o cd era horrível, mas nunca mais esqueci o nome da noiva dele e o jeito como ele brincava com a gente, super carinhoso e atencioso, bem carioca. É isso e nada mais, pode ser constrangedor.
Os sócios cabeleireiros da minha mãe
Ainda nesta empreitada em BH minha mãe conheceu dois rapazes cabeleireiros, os conheceu fazendo o cabelo em algum salão de bairro. Não sei bem o que colocaram na tintura dela, só sei que ela achou que seria um grande negócio abrir um salão com aquelas figuras. Fuen, fuen, fuen, fuen… Fracasso. Lembro-me de fazer lá, com os tais, a primeira chapinha da minha vida, foi na minha formatura da oitava série, me senti a mais linda das meninas, com o cabelo mais liso do que o de Cleópatra, brilhoso e sedoso, sem mexer a cabeça para não estragar a montagem by Grégori e Marquinhos, bem nome de amigo gay.
O cearense cabeludo e a artista
A fase de BH foi com certeza a melhor de todas, lá meu pai conheceu o cara que ele diz ser seu melhor amigo, e que faz parte da nossa vida, direta ou indiretamente, até hoje. O companheiro cearense cabeludo, formado em letras, que nos dava livros e conversava conosco como se fôssemos muito inteligentes, falava engraçado e tinha uns diálogos que só ele e meu pai entendiam. Gostávamos muito dele, de ir à casa dele e da sua esposa e de ver as coisas que ela, das artes, fazia, e de ver como eles e meus pais se deram as mãos para enfrentar a barra do doutorado longe de casa.
A que me chamou de gorda
Essa aí eu tive vontade de matar, acho que foi a maior vergonha que minha mãe passou comigo na vida. Aos meus 14 anos de idade minha mãe sofreu com problemas na coluna, e sempre tinha alguém nos visitando para ver como ela estava, ou pra levar palavras de conforto, enfim. Um belo dia, havia faltado luz na nossa humilde housedência, me chega uma senhora rechonchuda e cheia de intimidade no nosso portão procurando por minha mãe. Era uma senhora das mais grossas do universo, daquelas que fala muito e alto. Minha mãe tinha dificuldade de se mexer então pediu que eu avisasse pra ela esperar na sala enquanto mamãe se organizava para recebê-la. Eu nem sabia quem era a mulher, e ela me pergunta assim: – Tu que é a Juliana? – Sou eu. – Respondi meio sem vontade – Gorda como sempre! – Exclamou aquela senhora que eu nunca tinha visto na vida e que mais parecia um papel pra embrulhar prego. Eu, instintiva e reativa como sou, respondi na lata: – Gorda é a senhora. – e virei a cara pra chamar minha mãe. Quando minha mãe viu quem era, ficou totalmente constrangida, pediu desculpas pra tal da tia e me disse que aquela era uma amiga dela desde os tempos que ela engravidou de mim, que eu precisava respeitá-la e pedir desculpas. Acho que falei que não se chama ninguém de gorda assim, especialmente uma adolescente neurótica cheia de inseguranças e etc. e tal. Marcou também, pra pior.
Essas foram algumas figuras que povoaram minha infância e que me fizeram aprender o quanto é bom encontrar amigos, achar identificações com pessoas nem sempre tão iguais a nós, mas que estão dispostas a amizade. Espero ensinar para minha filha igualzinho meus pais me ensinaram.